segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O desencanto de um ladrão de galinhas



Uma das mais famosas frases de O poderoso chefão é algo do tipo: “quando eu quase estava fora, eles me puxaram para dentro”. Depois do advento do Bom Senso FC a impressão que a tapetada orquestrada pelo Fluminense e pelos cretinos, digo, advogados do STJD atua como um balde de água fria e demonstração de que a banda podre do futebol continua dando as cartas. Novamente um tribunal não fez justiça, coisa que parece, cada vez mais, impossível dada a burocratização desses órgãos ou mesmo o fato de eles atenderem a interesses escusos. Quando se homologa uma injustiça como essa, lembro sempre do episódio do The Mentalist em que o vídeo com o assassino matando uma pessoa é excluído das provas porque o Jane entrou na casa dele e tomou uma xícara de chá. O Jane deveria ser punido, sim, mas deixar um cara que obviamente cometeu o crime (ainda mais assassinato) sair livre não é justiça.
O caso da Portuguesa (eterna prejudicada do futebol brasileiro) lembra, aliás, uma idiossincrasia brasileira. Roberto DaMatta em seu Carnavais, malandros e heróis propõe que no Brasil há uma diferença perniciosa entre as noções de pessoa e indivíduo. A “pessoa” é o sujeito de frases do tipo “sabe com quem você está falando?”, ou seja, aquele que espera e consegue ser tratado de maneira diferente, com reverência, aqueles que dobram a lei e a utilizam sempre em seu proveito. O “indivíduo”, pelo contrário, é aquele que é tratado segundo os rigores da lei. Quanto trata dessa diferenciação, por sua vez, me vem sempre à cabeça uma crônica de Luis Fernando Veríssimo intitulada “A alegria do ladrão de galinhas”. Esse texto tem como pano de fundo a prisão de Daniel Dantas por fraude financeira. Nada, como argumenta Veríssimo, é mais distinto do roubo de galinhas (o cara rouba, é preso, e pronto) do que os esquemas financeiros em que a diferença entre falcatrua e bom negócio são borrados. Esses caras, contudo, dada a falta de nitidez de seus negócios tendem a escapar mesmo depois de golpes milionários.
Aqui, a Portuguesa é como o ladrão de galinhas e, como tal, a espera a letra fria da lei. Já O Fluminense é o Daniel Dantas e os esquemas fraudulentos tendem, sempre, a beneficiá-lo porque recebe, invariavelmente, tratamento diferenciado. Tanto é que, em 2010, num caso semelhante, prevaleceu o bom senso, agora, mais do que a lei, valeu a condição de “pessoa” dos cariocas.

sábado, 28 de setembro de 2013

Não quer que o esquecimento seja tido como descuido


Dizes que eu te esqueço, Célio, e mentes
Ao dizer que me lembro de olvidar-te.
Não há em minha memória alguma parte
Em que, esquecido, estejas presente.

Meus pensamentos são tão diferentes
E em tudo tão alheios de tratar-te,
Que não sabem se podem magoar-te
E nem, se te esquecem, sabem se o sentes:

Se tu foste capaz de ser querido
E de ser esquecido; já era glória,
Pelo menos a chance de haver sido;

Mas estás tão longe dessa vitória:
O não lembrar-me não é ter esquecido
Mas antes uma negação da memória.

[Tradução de No quiere pasar por olvido lo descuidado, de Sor Juana Inés de la Cruz]


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Indicação da Mirane

Cultura Futebolística

 Cultura futebolística, o que isso quer dizer?
Nessa cidade magnífica em que nos toca viver.
Se cultura significa drama, então de tudo já vimos
Mas os nossos artistas... com a bola entretêm-nos

E se cultura significa conhecimento e amor pelas artes,
Então os torcedores do Liverpool são uma história à parte.
Porque futebol é uma forma de arte com a qual nos criamos
Enquanto o conhecimento adquirimos viajando vários anos.

Fui ao jogo com meu pai pela primeira vez
Ele me levou à torcida, ao KOP... igual seu pai fez.
Depois, conforme crescia, ia com meus amigos
Era nosso único refúgio desse sistema repressivo.

Durante a semana em bando vivíamos,
Nas portas dos bares, nossas canecas bebíamos
Mas chegava a tarde de sábado e de repente...
A vida tocava uma música diferente.

Nós íamos para o estádio de futebol,
Um oceano de cor com ondas de som.
Sentíamos que lá era o nosso lugar
Entendíamos quem éramos sem nem mesmo pensar.

Vinte e seis mil se espremiam na torcida
Ninguém queria ver aquela alegria interrompida.
Cantando e agitando, os mastros desfraldados
Como se para outro mundo fôssemos levados.

E, então, King Kenny podia marcar um gol de bicicleta
E por um instante... você esquecia que estava na sarjeta.
Não estava procurando um canteiro de obras, uma gleba
Nem era somente uma estatística, tratado como merda.

Futebol podia te levar bem distante
Fazer sentir-se importante... ao menos por um instante
Filhos de operários com nada mais na vida
Encontrando um jeito de se senti-la mais vívida.

De passear nas vielas do bairro, fazendo zona
Nos encontramos em lugares como Paris e Roma.
De carona em carona e viagens em trens
Conquistamos a Europa... mais de uma vez.

Eu tento explicar para as pessoas esse sentimento
O orgulho e a paixão surreal desses momentos.
Alguns dizem: “São apenas homens chutando uma bola”
Mas acreditem... quem diz isso não bate bem da cachola.

Outros afirmam que a cultura é algo mais profundo,
Que ela não existe nesse pequeno verde mundo.
Mas onde estavam, nessa semana, essas vozes iludidas
Quando quase um milhão ocupavam essa avenida?

A criatividade se desenvolve na torcida
Conheço poetas que nas docas têm sua lida.
Não se influenciam por Wordsworth ou Keats
Sua inspiração vem direto de Rush e Dalglish

Até o mais dramático Shakespeare empalideceu 
Comparado com o que, em Istambul, aconteceu.
Pensando desse jeito... nada sequer se aproxima
Da história, esse ano, escrita na Turquia.

Futebol não é somente um jogo, veja bem,
Ele acende emoções que não se sabe de onde vêm.
Uma grande vitória leva êxtase e lágrimas
Nos lembram daqueles que já viveram nessas casas.

Isso é o que a cultura futebolística significa
Não se restringe a um time e o estádio em que fica
Representa uma vida completa, recheada de drama,
Capital de memórias... Capital que sonha.
 
[Tradução de Football Culture, de Dave Kirky]

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Indicação do Red John

O Tygre

Tygre! Tygre! brilho ardente
Nas florestas da noite vivente
Que olho ou mão imortal poderia
capturar tua medonha simetria?

Em que distantes abismos ou céus
queimou-se o fogo dos olhos teus?
Em que asas ousa ele se elevar?
Que mão ousa o fogo apanhar?

E qual ombro e qual arte pôde
os tendões de teu coração torcer?
E quando teu coração começou a bater,
que pavorosa mão e que pé podre?

Que martelo? Que corrente?
Que forno forjou tua mente?
Que bigorna? Que força pôde ousar
os terrores mortais encerrar?

Quandos as estrelas suas lanças atiraram,
E o céu com suas lágrimas inundaram.
Ele, ao ver seu trabalho, sorri?
Ele que criou o cordeiro criou a ti?

Tygre! Tygre! brilho ardente
Nas florestas da noite vivente
Que olho ou mão imortal poderia
capturar tua medonha simetria?

[Tradução de The Tyger, de Willim Blake]

segunda-feira, 25 de março de 2013

Seleção brasileira

A seleção que eu acho que seria a mais forte hoje em dia...


sexta-feira, 1 de julho de 2011

Chutômetro da Copa América

1ª RODADA

Argentina 2 x 0 Bolívia
Colômbia 2 x 1 Costa Rica
Brasil 1 x 0 Venezuela
Paraguai 3 x 1 Equador
Uruguai 2 x 0 Peru
Chile 2 x 2 México

2ª RODADA

Argentina 3 x 1 Colômbia
Bolívia 1 x 1 Costa Rica
Brasil 2 x 2 Paraguai
Venezuela 0 x 3 Equador
Uruguai 1 x 0 Chile
Peru 1 x 2 México

3ª RODADA

Colômbia 2 x 0 Bolívia
Argentina 5 x 2 Costa Rica
Paraguai 3 x 0 Venezuela
Brasil 2 x 0 Equador
Chile 3 x 1 Peru
Uruguai 0 x 0 México

QUARTAS-DE-FINAL

Argentina 3 x 1 Chile
Colômbia 1 x 2 México
Paraguai 2 x 0 Equador
Uruguai 2 x 1 Brasil

SEMIFINAIS

Argentina 2 x 0 México
Paraguai 0 x 1 Uruguai

DISPUTA DO 3º LUGAR

México 0 x 1 Paraguai

FINAL

Argentina 2 x 2 Uruguai

CLASSIFICAÇÃO FINAL

Campeão: Uruguai
Vice-campeão: Argentina
Terceiro colocado: Paraguai
Quarto colocado: México

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Para quem gosta de John Ford

Segue abaixo texto de Glauber Rocha falando sobre o diretor:

O CACIQUE DA IRLANDA

Glauber Rocha
(O século no cinema. Cosac Naify, 2006, pp. 118-123)

Rock Demers, o ex-diretor do Festival de Montreal, conseguiu reunir John Ford e Jean Renoir e Fritz Lang.

Ford chegou com uma semana de atraso e com ele veio uma carga de mau humor. O grande diretor de westerns — tais como No tempo das diligências (Stagecoach, 1939), Sangue de herói (Fort Apache, 1948) ou Rastros de ódio (The Searchers, 1956) — é mais alto que Lang, mais velho, surdo e cego de um olho: como Lang, usa um dayan. Se Renoir é um leão manso, se Lang é um tigre ferido, John Ford é um avião agressivo. Inacessível à primeira vista, teve seu vedetismo desmistificado à entrada do hotel por Jean Renoir, que ao vê-lo gritou:

— Olá, Fritz!

O jornalista francês Michel Ciment advertiu Renoir que não se tratava de Lang, mas de Ford.

Renoir, sorrindo, respondeu:

— Sei disto. A confusão é proposital. Chamo Ford de Fritz apenas para brincar com sua vaidade.

John Ford avançou para um abraço caloroso em Renoir. No caminho, porém, quase cai. Está trôpego o comandante de pelotões, de manadas de búfalos, de tribos guerreiras. Tosse, mas não desiste do charuto. Enquanto brincava com Renoir, Michel Ciment aproveitou para me apresentar. Ford olhou para mim e berrou:

— Saudade!

Tomei um susto diante daquele folclórico "saudade" pronunciado com tanto desastre.

Ford hesitou alguns segundos e perguntou:

Where is Raul?

— Que Raul? — perguntei de volta.

— Roulien, Raul Roulien. Meu amigo e grande ator.

Dei as pouquíssimas informações que tenho sobre Raul Roulien e Ford resmungou:

— Rio de Janeiro...

Neste momento surgiu um padre. Ford interrompeu o discurso com Renoir e foi abraçar o padre. Conversaram alguns minutos. Depois Michel Ciment me disse que Ford estava preocupado, pois precisava arranjar um confessor durante o Festival: católico incorrigível, Ford vai à missa todos os dias.

Depois de muitos desencontros, realizou-se a entrevista com os jornalistas no quarto do hotel. Gim e uísque. Charutos. De roupa branca, sapato tênis, altíssimo, John Ford é o que se pode chamar de um "elegante grosso". Seus gestos são de um vaqueiro, embora seja irlandês. Parece que, depois de lidar tantos anos com cowboys, xerifes, índios e bandoleiros, Ford terminou influenciado por seus personagens.

Tem alguns tiques de John Wayne, grita quando menos se espera, parece que vai sacar uma pistola a cada gesto.

O Festival, para homenageá-lo, resolveu apresentar seu filme A mocidade de Lincoln (Young Mr. Lincoln, 1939) — biografia da juventude do patriarca americano.

Quando isto é anunciado, Ford estrila:

— Que filme? Young Mr. Lincoln? Não me lembro disto.

— Um filme com Henry Fonda, adverte Michel Ciment.

— Henry Fonda? Mas quem é Henry Fonda? — volta a perguntar Ford diante do espanto dos jornalistas.

Ford é um ranzinza. Como se sabe é católico, democrata, conservador, anticomunista ferrenho. Fonda é um progressista. Brigaram uma vez e esteve envolvido com John Wayne, amigo íntimo de

Ford e membro de organizações terroristas de direita.

Ford, a partir do incidente, resolveu ignorar Henry Fonda. Agora a lenda se confirma:

— Se este filme existe não quero vê-lo. Estou muito cansado e tenho problemas graves no momento. O que mais me aborrece é não estar bem de saúde para poder engajar-me na Marinha para a guerra no Vietnã.

Novo espanto. Ford confirma sua adesão à guerra e acrescenta:

— Estive visitando Howard Hawks enquanto ele filmava El Dorado (1967). Embora eu não veja os filmes de Hawks, visito-o sempre para um joguinho. Hawks me disse que vai fazer um filme sobre o Vietnã, que é uma guerra muito engraçada. Imagine nossos marines gigantescos e bem armados tendo dificuldades com aqueles "amarelinhos"... — e somente Ford sorri de sua piada inoportuna.

Silêncio.

Novas perguntas.

Sobre a arte cinematográfica:

— Só existe um autor no cinema: o banqueiro de Madison Avenue.

Atualmente eu não escolho nem os atores. É a mulher do banqueiro que dá todos os palpites no filme que vou fazer. Somente quando tenho dinheiro meu nos filmes possuo liberdade. Mas que liberdade? Quem manda é o público. Se eu faço um filme diferente do gosto do público é um fracasso, e com milhões de dólares não se brinca. O progresso no cinema é só um: o técnico. Eu fui um dos criadores do cinemascope, da panavision, do cinerama. Eu e outros colegas.

Sobre os novos cineastas:

— Quem é Godard? Nunca ouvi falar dele. Quem é Pasolini? Nunca ouvi falar. Ontem fui ver um filme comunista iugoslavo [trata-se de Une Affaire de Cœur, de Dusan Makavejev, aplaudido pela crítica] e saí na metade. Isso é lá cinema? Os europeus pensam que filmar uma mulher nua é cinema. O grande cinema é o nosso, o meu, o de Hawks, o de Hitchcock!

A petulância do velho constrange a todos.

Um jornalista arrisca:

— Vai continuar filmando?

— Tenho mais de oitenta anos mas ainda não estou tão velho para parar. Agora mesmo pretendo fazer outro filme e tenho comigo vários scripts. Tenho novas atrizes para lançar e compromissos comerciais.

Subitamente o gavião pousa. Bebe um gole de gim, traga o charuto. Está afastado, talvez vagando entre os canyons onde costuma filmar emboscada de índios. Murmura:

— Tenho de voltar. Minha mulher e minha filha estão doentes.

Um jornalista pergunta se Ford acompanhará Renoir naquela noite ao Palácio do festival, onde será apresentado La Marseillaise (A Marselhesa, 1938).

Ford resmunga:

— Não. Este filme sobre a Revolução Francesa é propaganda. Não posso prestigiar um comunista em público, apesar de Renoir ser meu amigo.

Três dias depois Rock Demers envia um Buick de luxo para trazer John Ford ao cinema onde será apresentado Young Mr. Lincoln, e o cacique protesta:

— Carros de luxo é para o Fritz, que é um vaidoso. Eu posso ir de táxi.

Mas vai no Buick. O mesmo traje. Quando chega ao cinema repleto, ovação. Ergue os braços e pede silêncio. Emocionado, Ford grita com sotaque de cowboy:

— Nestes momentos sempre dizemos: "eis o momento mais importante de nossa vida"... Este é um filme simples sobre um homem simples filmado há mais de vinte e cinco anos e eu não me lembro nem de uma cena. Os atores são desconhecidos.

Young Mr. Lincoln começa. É um filme que entusiasmou Eisenstein. Contamos isso para Ford e ele brinca:

— Quem? Eisenstein? O diretor comunista de Ivan, o Terrível? Ivan é um filme muito inteligente.

Young Mr. Lincoln, com Henry Fonda num dos maiores papéis de sua carreira, é um retrato nacionalista e nada crítico da juventude predestinada de Abraham Lincoln. Ali já estão os dados do estilo fordiano: senso de humor, harmonia visual, folclore do interior norte-americano, humanismo, religião, sentimentalismo. O mesmo Henry Fonda reapareceria em Paixão de fortes (My Darling Clementine, 1946), As vinhas da ira (The Grapes of Wrath, 1940), Mister Roberts (1955) e em outros vários filmes realizados pelo jovem irlandês que começou cedo a filmar bangue-bangue em Hollywood. Na pele do moço Lincoln, Fonda encarnava o americano ideal e idealista. Temos a impressão de que se trata de um documento primitivo. Quando termina, aplausos, não ao filme, mas a Ford. Ele se levanta e projeta a sua vaidade de bom moço:

— Realmente vocês têm razão em bater palmas. É um belíssimo filme.

Risos. O gigante tem lágrimas nos olhos. Raramente tivera homenagens como aquela. Na França, numa vez em que Ford lá esteve, o crítico Jean Mitry deu-lhe de presente um livro que era a biografia do próprio Ford. O velho ficou espantado. Homenagens deste tipo não existiam em Hollywood, onde ele era apenas um funcionário dos estúdios.

Ford desconfia de sua possível genialidade. Inegavelmente militarista, Ford idealizou o Oeste como um paraíso perdido, espécie de Olimpo do novo mundo. Sua preocupação sempre foi a de punir os maus e fazer triunfar os bons. Gosta de índios, mas são ingênuos os selvagens que devem ser catequizados e protegidos. Haverá sempre um bom soldado branco capaz desta façanha, ainda que para tanto deva se rebelar contra seu superior. O exército é a alma da nação, a cavalaria sempre surgirá para salvar os pobres colonos das garras dos índios. Sobre racismo, Ford acha lamentável a incompreensão entre os homens.

Seu cinema criou adeptos em todo o mundo. Na França Ford é adorado, embora todos saibam que sua visão do mundo é desatualizada, principalmente depois que os Estados Unidos começaram a entrar em crise social, econômica e política revelando ao mundo que sua invencibilidade apregoada com veemência pelo cinema é um mito cinematográfico. Como Howard Hawks, como Alfred Hitchcock, como tantos outros, Ford pertence a uma geração de gigantes que se revelam como Golias, vulneráveis na testa.

Fritz Lang tinha razão quando afirmava que o cinema feito por esta geração era um cinema primitivo. Inventaram cenas fabulosas de espetáculo, criaram gêneros e heróis, mas em nada contribuíram para transformar a sociedade: apenas colaboraram na edificação do mito imperialista. Este cinema de espetáculo, de aventura, de suspense, de emoção, entrou em colapso justamente porque o tempo da reflexão, da dúvida, da crítica, da perplexidade, começou. Hoje, diante de um filme do velho cinema americano, vemos apenas a reprodução mentirosa do mundo. E a perfeição destas formas, a harmonia deste ritmo, terminam por cansar. É um mundo fechado que dá uma mensagem mastigada ao espectador, sem que ele tenha a menor chance de discutir ou recusar.

John Ford é o maior criador desta fase. Moralista, telúrico, gênio de um velho estilo de espetáculo, Ford foi bem definido pelo cineasta português Paulo Rocha, à saída de Young Mr. Lincoln:

— É o último poeta arcaico de uma civilização eletrônica.