sábado, 28 de setembro de 2013

Não quer que o esquecimento seja tido como descuido


Dizes que eu te esqueço, Célio, e mentes
Ao dizer que me lembro de olvidar-te.
Não há em minha memória alguma parte
Em que, esquecido, estejas presente.

Meus pensamentos são tão diferentes
E em tudo tão alheios de tratar-te,
Que não sabem se podem magoar-te
E nem, se te esquecem, sabem se o sentes:

Se tu foste capaz de ser querido
E de ser esquecido; já era glória,
Pelo menos a chance de haver sido;

Mas estás tão longe dessa vitória:
O não lembrar-me não é ter esquecido
Mas antes uma negação da memória.

[Tradução de No quiere pasar por olvido lo descuidado, de Sor Juana Inés de la Cruz]


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Indicação da Mirane

Cultura Futebolística

 Cultura futebolística, o que isso quer dizer?
Nessa cidade magnífica em que nos toca viver.
Se cultura significa drama, então de tudo já vimos
Mas os nossos artistas... com a bola entretêm-nos

E se cultura significa conhecimento e amor pelas artes,
Então os torcedores do Liverpool são uma história à parte.
Porque futebol é uma forma de arte com a qual nos criamos
Enquanto o conhecimento adquirimos viajando vários anos.

Fui ao jogo com meu pai pela primeira vez
Ele me levou à torcida, ao KOP... igual seu pai fez.
Depois, conforme crescia, ia com meus amigos
Era nosso único refúgio desse sistema repressivo.

Durante a semana em bando vivíamos,
Nas portas dos bares, nossas canecas bebíamos
Mas chegava a tarde de sábado e de repente...
A vida tocava uma música diferente.

Nós íamos para o estádio de futebol,
Um oceano de cor com ondas de som.
Sentíamos que lá era o nosso lugar
Entendíamos quem éramos sem nem mesmo pensar.

Vinte e seis mil se espremiam na torcida
Ninguém queria ver aquela alegria interrompida.
Cantando e agitando, os mastros desfraldados
Como se para outro mundo fôssemos levados.

E, então, King Kenny podia marcar um gol de bicicleta
E por um instante... você esquecia que estava na sarjeta.
Não estava procurando um canteiro de obras, uma gleba
Nem era somente uma estatística, tratado como merda.

Futebol podia te levar bem distante
Fazer sentir-se importante... ao menos por um instante
Filhos de operários com nada mais na vida
Encontrando um jeito de se senti-la mais vívida.

De passear nas vielas do bairro, fazendo zona
Nos encontramos em lugares como Paris e Roma.
De carona em carona e viagens em trens
Conquistamos a Europa... mais de uma vez.

Eu tento explicar para as pessoas esse sentimento
O orgulho e a paixão surreal desses momentos.
Alguns dizem: “São apenas homens chutando uma bola”
Mas acreditem... quem diz isso não bate bem da cachola.

Outros afirmam que a cultura é algo mais profundo,
Que ela não existe nesse pequeno verde mundo.
Mas onde estavam, nessa semana, essas vozes iludidas
Quando quase um milhão ocupavam essa avenida?

A criatividade se desenvolve na torcida
Conheço poetas que nas docas têm sua lida.
Não se influenciam por Wordsworth ou Keats
Sua inspiração vem direto de Rush e Dalglish

Até o mais dramático Shakespeare empalideceu 
Comparado com o que, em Istambul, aconteceu.
Pensando desse jeito... nada sequer se aproxima
Da história, esse ano, escrita na Turquia.

Futebol não é somente um jogo, veja bem,
Ele acende emoções que não se sabe de onde vêm.
Uma grande vitória leva êxtase e lágrimas
Nos lembram daqueles que já viveram nessas casas.

Isso é o que a cultura futebolística significa
Não se restringe a um time e o estádio em que fica
Representa uma vida completa, recheada de drama,
Capital de memórias... Capital que sonha.
 
[Tradução de Football Culture, de Dave Kirky]