sexta-feira, 10 de julho de 2009

You must fallen from the sky

O buraco na parede
era um céu avermelhado.
Nele estava a marca
da esperança que um
prego não agüentou.
Como o sol vermelho
ele deixou sua marca,
responsabilidade
que se precipitou.
O céu de hoje é o
retrato de amanhã
que cai, o vidro
vai pro cesto reciclável,
a foto pra caixa
de onde um dia-promessa
ela se destacou.

Numa tarde não tão clara, diante de um vidro quase translúcido, pensando num arremate não bárbaro e coçando disfarçadamente a perna ou O pulo do gato

O gato pintado, cinzento
esvoaça pela rua tristonha.
O azul empoleirado no vento
colore a canção que destoa.

A chuva cai perpendicular e leve
sem tempo a água rabugenta
escoa, o dia segue firme
na janela, saudade adoece,
os olhos de outra pessoa

Vingança

I

ciumento converso com o vento
e espalho a minha peçonha
o vento, amigo de um tempo,
vislumbra a vida à toa.

II

depressa disponho biruta
tentativa pra quem não dá sopa
suspendo Pandora ao relento
caixa, peneira, vassoura

Noturno III

a noite eu não me lembro do dia
nem do sol, nem da cor das orquídeas
eu não sentira seu odor nas flores
eu não vira suas formas nas nuvens

a noite eu não me lembro do sonho
das crianças em bicicletas, do futebol
na rua descalças, das velhas ranhetando,
do machucado e das gargalhadas

a noite eu não me lembro do jogo
gol aos não-sei-quantos-minutos, o juiz
que não apita, que não manda assinar
e a vontade de dar o beijo e sair e

a noite eu não me lembro do jantar
nem do almoço, nem do café, do pão
com requeijão e da vida dum comercial
de margarina light pro coração

a noite eu não me lembro de não lembrar...

Ébrio

"tire o seu sorriso do caminho
que eu quero passar com a minha dor"

A escuridão é esparsamente quebrada pelos postes
altivos e eruditos, com ares de professor
a rua certamente se move ao meu redor
sinto instintivamente certa instabilidade mórbida.

Um cheiro estranhamente alegre e amargo
revirando as entranhas, lembranças não de todo
tristes e pulsantes amarguram meu paladar
um nome me vem a mente, é claro, não é estranho
estranho que não me lembre de odiá-lo.

Tem alguma coisa me incomodando além das meias molhadas,
tem alguma coisa que deveria esquecer
alguma coisa está me machucando você, deveria saber

há algo esquisito que não sei como começo a anotar,
há algo nessa rua que parece não levar a nenhum lugar
gostaria de simplesmente me encostar e dormir
mas me perdi e não há volta, não há lugar
esse caminho me ignora e ignoro o que há nele.

Apenas postes, luzes inadequadas e pouco inspiradas,
o calor delas roubado e a minha
talvez essa luz fraca seja a melhor companhia.

A um lírio contento

I

Ah flores insípidas,
de onde tirar inspiração,
se a contrario, alimentas...
Ah, tivestes meu desencanto, flor,
retirado o espanto,
tornar-se-ia rude como eu.

II

Ah flores altivas
de onde tirar admiração
se a respeito, afogo...
Ah, tivestes meu alento, dor,
retirado o encanto,
tornar-se-ia fraca como eu.

Procissão

As caras todas nas janelas
como se houvesse cortejo,
desfilassem roupas, chapéus, bandeiras
que não vi. Vi as caras
aparecerem nas janelas,
nos olhos via desfilarem
ossos, solas de pé, um gemido,
um arrepio, que talvez fosse meu

Dormideira

.................................................... para Mirane

resplandece intocável sobre o sol
joga beleza e força para o ar
retesa se lhe jogam anzol
encolhe e parece encabrunhar
quando se aproximam, sem vagar,
suas folhas fecham, qual livro que não
mostra suas fontes, qual pedra que água
não permeia, qual quimera sem belerofonte

e sozinha e sozinha quer estar
pra matar a solidão que acompanha
e cada folha em tristeza medonha
quer dormir e estar no belo reino
onde acordar é como um espelho
onde só se mostram maravilhas
onde ressurgem os contadores mortos
que não morrem, recolhem suas pétalas

Pathetique

O céu pela manhã me comove
sinto como que um gosto de claridade
as luzes ainda acesas nada iluminam
os postes ridículos, obscenos

a rua solitária devaneia
lembrando os momentos de felicidade
os carros passeiam na minha cabeça
e movimentam essa opacidade

as linhas fingem que correm
as rodas que estão paradas
o dia acelera melancólico
o sol me incomoda,

o calor e o sol acabam
com o dia o sono e o ventilador
me chamam, começa a noite.
só pra mim, fofoca a vizinha.

Noturno IV

Os olhos pesam oceanos,
súbito entumecimento enregela
pensamentos, aos poucos
pequenas lascas de sonhos.
Cabelos negros, pele amarrota,
esfiapados vestidos, voz surda
atordoa: Está na hora.

domingo, 5 de julho de 2009

Tapa na cara

Guarda de todas as casas,
de imponderável gentileza
não liga pra um "com licença",
– surda como uma mesa –
– e talvez da mesma raça –

parada como uma lesma
– de altivez melancólica –
vossas ordens não desacata,
mas trata com indulgência:
não reage, não ataca.

A questão poderia ser
“Trouxeste a chave?”.
Mas: reta, explicita,
não tem humor para
metalinguagens.

Dura como pedra,
de material mais suave,
trabalhada. Triste é sempre
encontrá-la fechada.

Uma dor intransponível.